Ontem completei 4 anos oficialmente ao lado de Rodrigo. Comecei a escrever este texto antes, mas preferi passar o dia ontem ao lado dele (em vez de em frente ao computador) e não parei para postar. Agora partilho com vocês. Queria trazer palavras românticas, de um amor idealizado, de uma relação perfeita. Mas o que eu posso oferecer para partilhar sobre essa experiência – que somos o nós – passa por lugares que nem sempre queremos visitar.
Eu e Rodrigo não somos almas gêmeas. Nem sei se isso existe, apesar de ver um monte de casais no estilo conto de fadas nas redes sociais. Essa coisa de sintonia total, tampa da panela, “só o olhar basta para entender tudo”… Não. Não vivemos nenhum sonho encantado. Somos duas pessoas que um dia se apaixonaram, riram muito juntas, sentiram uma tal de química, e o mais importante: curiosidade. O interesse em entrar no mundo do outro foi tanto, que 3 meses depois já morávamos juntos.
Nós não casamos naquela ocasião. Não existe um momento único em que podemos dizer que casamos. Nós fomos morar juntos, fazer companhia, dividir dias, o chuveiro, a cama, o guarda-roupas, a geladeira, o controle remoto. Fomos ver qual era. Fomos passar mais tempo nos conhecendo.
E ali, eu descobri um cara massa, dedicado ao trabalho, atrapalhado e sem noção (como eu), que gostava de viajar (como eu) e de tecnologia, que tinha uma formalidade cômica, um carinho tenro, uma sensibilidade bem própria, pouca habilidade com palavras, o sorriso mais lindo do mundo e uma dificuldade enorme em perceber o que sente e dizer o que pensa. E eu passei eternidades tentando entender o fenômeno Rodrigo, enquanto o amava na mais irracional equação.
Aos poucos, nossa rotina foi virando, de fato, casamento. Desses tipos de casamento em que se casa todo dia. Ninguém assinou papel nenhum ou declarou em cerimônia um compromisso eterno. Que seja eterno enquanto dure. Mas construímos casa, adotamos gatos, nos entendemos como família, misturamos as rotinas e os dinheiros. Todo dia, eu acordo e digo sim para ele. Em alguns desses dias eu quero dizer não. Em outros tempos, inclusive, eu cheguei a dizer não. Ele, do jeito dele, também agiu em negativas, também disse não. Nos desapontamos. Casamento não é fácil, pelo contrário, casar-se é o desafio mais punk que alguém pode colocar na própria vida.
Decepções, raiva, incompreensão, tristeza. Tudo isso passa pelo nosso casamento. Incerteza também. Insegurança. Remorso. Coisas de gente. A linha tênue entre não se projetar no outro e, ao mesmo tempo, também respeitar os próprios limites de ser o que se é nem sempre consegue ser preservada com sabedoria. Não podemos criar expectativas que geram frustração, mas também não podemos forçar nossa barra. É preciso ser leve para conviver com o diferente. Manter a individualidade enquanto se vive um casamento é um desafio enorme. Compreender e aceitar a liberdade do outro é mais desafiante ainda.
Angústias, perversões, traumas, desejos, liberdades, projetos, tudo isso atravessa cada um de nós a nosso modo fica ali exposto, ou vêm a tona a qualquer momento, mesmo quando tentamos fugir, disfarçar ou esconder. Quando se casa, há um cruzamento de interesses, de formas de ver o mundo, de valores e de modos de ser. E o meu mundo e o de Rodrigo, por mais que naturalmente se mostrassem bem próximos no início (como todo casal apaixonado), apontam milhares de discrepâncias ao longo dessa jornada aniversariante. Há momentos de cansaço mesmo. E esse quarto ano, sabemos, nos levou à exaustão.
Nós mudamos bastante. O outro nos transforma também. Certamente a Isabella por quem ele se apaixonou 4 anos atrás já morreu há um bom tempo (ainda bem, estamos em processo). Coisas que eu quis já não quero mais, assuntos que não me interessavam tanto hoje movem minha vida. Ele também mudou e eu bem vejo o quanto. Ou talvez a gente não enxergava antes a sementinha já existente do que estava por vir, do que tínhamos guardado aqui dentro potente pra desenvolver. E como resignificar as coisas? Como se empenhar em superar as crises ou simplesmente escolher o fim, conscientes de que desistir nem sempre é fracassar? Lidar com o outro pesa em algumas circunstâncias, por mais que todo relacionamento deva, num âmbito ideal, ser leve. É uma tentativa de reequilíbrio constante. Eu sou daquelas pessoas quase arrogantes, falastronas e metidas a sabe-tudo. Ele é um tanto cruel, lento e introspectivo. Eu sou da comunicação, das artes, gosto de dançar, de plantas e bichos e choro com notícias ruins pelo mundo. Ele é médico, gosta de conforto, de dormir, de mundo virtual e de comer porcaria. Ele se acha prático e pronto. Eu sou do tipo que questiona. E, no fim, acho que quem é mais prática mesmo sou eu. Sim, esse romantismo que nos falta…
Mas isso não é uma disputa. Escolhemos jogar no mesmo time, seja lá o que isso signifique. Queremos seguir ensaiando a orquestra, por mais que vez ou outra desafinemos feio. E desafinar no palco é punk. Mas tocar ao vivo não é uma mera repetição dos estúdios. É tanto fator influenciando o tempo todo que pode dar uma tonteira. Não se prevê o que pode acontecer. Casamento é um balde de água fria em cima de qualquer pessoa com mania de controle, vá por mim.
Mas, mesmo assim, vivendo uma série de turbulências, nós hoje decidimos livremente seguir dizendo sim. Pelo menos por mais um dia. Conversando na cama antes de dormir ou trocando links pelo whatsapp. Comendo cada um a sua comida, mas vez ou outra partilhando uma cerveja boa com queijinho gostoso ou cozinhando a quatro mãos. Assistindo seriados e filmes diferentes, mas esperando a próxima temporada para continuarmos Game Of Thrones juntos. Tentando negociar a partilha do carro e arrumando um tempinho para a terapia de casal (recomendo) e saindo com família e amigos muitas vezes sozinhos. Já não jogamos mais vídeo games, já não vamos tanto ao cinema e festas e nem dormimos juntos no sofá. Também acabamos parando a yoga que fazíamos juntos. Mas, por hora, esperamos conseguir planejar a próxima viagem e, quem sabe, um dia nos prepararmos fisicamente para retomar aquela trilha de dias que não conseguimos fazer no réveillon retrasado.
Rodrigo, no fundo, hoje, no nosso quarto aniversário, queria dizer, apesar de tudo e por tudo, obrigada. Obrigada por me ensinar que na vida a gente nem sempre pode controlar as coisas. Na verdade, quase nunca. E muito menos as pessoas. Mas podemos superá-las, ajustá-las, entendendo limites. Fico feliz de ver que você gosta mesmo de mim e me dá liberdade para ser quem eu sou. Obrigada por ser a pessoa que mais partilha intimidades comigo, por ser quem mais está aqui junto. Não é fácil conviver assim de muito perto com ninguém e sei que não sou uma pessoa fácil. Eu gosto mesmo de você. Tenho podido ser verdadeira ao seu lado e isso é muito importante para mim, por mais que muitas vezes eu me distancie também da companheira que você projetou. Infelizmente, não posso pautar meus processos pelas suas expectativas. E vice-versa. Espero que você compreenda isso e possa ser sempre verdadeiro comigo também. Eu amo poder mergulhar na sua intimidade e ser a pessoa que está mais junto de você. E vamos seguindo nosso malabarismo, nossas loucuras.
Não tem sido fácil e nós sabemos. Mas não estamos juntos por obrigação e temos consciência do que escolhemos todos os dias e do que podemos desistir a qualquer momento. Sabemos o que nos une e esse lance de amor não se explica muito bem. Espero que o nosso quinto ano de parceria, que começa agora, retome os encantamentos que alguns ocorridos foram anestesiando e que plante novos encantamentos também. Principalmente aqueles que estão nas pequenas coisas bestas que podemos fazer por nós. Espero que possamos sintonizar as expectativas e compreender o que queremos individualmente e coletivamente, medindo até onde podemos ou devemos (ou não) abrir mão de alguma coisa. Espero que sejamos dados e lúcidos. Que nos comuniquemos mais e, consequentemente, nos respeitemos mais.
Espero te ver sorrir mais, porque amo teu sorriso. Espero te ver dançar mais, porque teu jeito desengonçado é maravilhoso. Espero rir mais e dançar mais também. Espero que a gente se apaixone loucamente de novo, e de forma nova, mas não perca essa intimidade intensa que só a rotina nos trouxe. Espero que a gente concorde mais, apesar de achar que crescemos através das conversas que temos quando discordamos. Espero voltar a ter vontade e iniciativa de preparar surpresas para você e que você também prepare algumas para mim. Por nós. Espero que a gente seja realizado independentemente do outro, mas que o outro seja uma força gostosa para partilharmos quem somos e que nos faça ser pessoas melhores. Espero que continuemos vivendo juntos também nossos bons prazeres. Desejo menos dores, menos lágrimas, mais cumplicidade e mais confiança. Que nos consolemos de forma certeira quando vacilarmos ou quando os outros vacilarem com a gente ou simplesmente quando as coisas derem erradas mesmo. Mas não espero que nada seja fixo, estável, porque o que faz valer é mesmo o desafio da mudança constante. Que estarmos juntos nos presenteie os nossos próximos desafios. E que a gente tenha vontade de se dedicar a passar por eles. Livres e leves.
Que a nossa parceria continue (menos torta, por favor), se for para continuar a nos fazer crescer e se for nos fazer bem. Até agora, mesmo com tudo, com altos e baixos, com deslumbramentos e desesperos, e com todas as coisas ainda mal resolvidas, estou muito grata pelo que venho aprendendo com nossa convivência. Você segue sendo um mistério pra mim. Quero seguir desvendando e desejo muito poder me encantar pelas próximas coisas que eu for encontrando. Ainda não sei onde vamos parar (nem se vamos parar), mas sigo dando passos e tentando colocar energia boa neles, porque acredito que eles seguem nos levando adiante. Espero que estejas feliz por também escolher estarmos juntos hoje e que sigas pacientemente tentando me entender e respeitar também.
Que o meu mundo seja do seu interesse e que o seu mundo me desperte. Ainda temos muito o que acertar juntos, não é mesmo?
Feliz aniversário de namoro. Que o amor que sentimos nos leve a um bom caminho de prazer e aprendizado, seja até quando tiver que ser. Amo você e você sabe. Um brinde ao nosso quinto ano que começou. Que seja um ano de cura. E chega logo em casa pra gente se encher dos melhores dengos que só a gente sabe.
ps – queria terminar com uma música gostosa, mas cada um escuta agora aquela que mais apetece. A minha eu vou colocar aqui em casa.